Projeto iniciado em 1928 se tornou símbolo de como a Amazônia frustrou a maior aposta industrial de Henry Ford.
DA REDAÇÃO — Às margens do rio Tapajós, no interior do Pará, Fordlândia surgiu com um plano grandioso: transformar a floresta amazônica em peça-chave da indústria automobilística mundial. Idealizada por Henry Ford em 1928, a cidade foi criada com o objetivo de garantir o próprio fornecimento de látex, base para a borracha usada na produção de automóveis — matéria-prima então dominada pelo mercado asiático e pelo monopólio inglês.
O que parecia uma aposta visionária rapidamente se tornou um dos episódios mais emblemáticos de fracasso empresarial na história da Amazônia. Erros de cálculo, desconhecimento sobre o ambiente e choque cultural entre norte-americanos e trabalhadores locais marcaram a trajetória da cidade que hoje é lembrada como “fantasma”.
1. Um negócio mal explicado: o golpe
Na época, o governo do Pará oferecia terras gratuitamente para projetos de cultivo de seringueiras. Ao perceber o interesse de Henry Ford, o empresário e cafeicultor Jorge Dumont Villares antecipou-se e adquiriu áreas em sete pontos estratégicos.
Quando representantes da Ford chegaram ao estado, Villares mostrou apenas terras de sua propriedade particular — sem informar que havia terras públicas disponíveis sem custo.
Resultado: Ford pagou 125 mil dólares por cerca de 1 milhão de hectares, e ainda recebeu uma área inadequada para o cultivo.
2. A construção de uma “América” no meio da floresta
A partir de 1928, iniciou-se a derrubada da mata para erguer a vila e plantar as seringueiras. Dois navios norte-americanos, Lake Ormoc e Lake Farge, trouxeram desde mudas de árvores até casas pré-fabricadas, telhas, equipamentos e suprimentos médicos. Uma das embarcações chegou a funcionar como hospital e fornecedora de energia.
Com o avanço das obras, Fordlândia ganhou aparência de cidade dos Estados Unidos:
• casas com piscinas,
• gramados de golfe,
• cinema,
• refeitórios padronizados.
Uma “cidade-modelo” norte-americana plantada no coração da Amazônia.
3. Vida dos trabalhadores e choque cultural
O contraste social era claro:
• administradores americanos viviam com conforto,
• brasileiros eram acomodados em moradias simples.
Ainda assim, o salário atraía trabalhadores de várias regiões.
A rotina imposta, porém, destoava dos costumes locais:
• sirenes substituíam o ritmo natural ditado pelo sol,
• havia controle rígido de horários,
• o consumo de álcool era proibido — o que não impediu o contrabando criativo, com garrafas escondidas até dentro de melancias.
4. As seringueiras que não vingaram
Logo no início, a monocultura enfrentou o mal-das-folhas, fungo que devastava seringueiras plantadas em alta densidade — algo inexistente no ambiente natural da floresta.
O crescimento ficou muito abaixo do planejado:
• 400 hectares de cultivo em 1929,
• 900 hectares em 1931,
• quando o plano original previa 200 mil hectares plantados.
Em 1932, o especialista James R. Weir recomendou a transferência da produção para Belterra, onde o solo seria melhor — mas os resultados seguiram muito aquém do projetado.
5. O declínio e o abandono
Com a Segunda Guerra Mundial, a produção de borracha sintética explodiu e reduziu o interesse pelo látex natural. Somado ao alto custo logístico e às dificuldades ambientais, o projeto se tornou inviável.
Em 1945, após acumular perdas de 9 milhões de dólares, Henry Ford vendeu suas terras ao governo brasileiro por apenas 250 mil dólares.
Desde então, Fordlândia permanece como um cenário de ruínas e memórias — testemunho silencioso de um dos maiores choques entre ambição industrial e a complexidade da floresta amazônica.
(Com Diário do Pará)

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